Cabo Verde, terra do calor e dos sorrisos. Do leve, levezinho, devagar, devagarinho quase parado. Terra do "no stress". O calor não o permite! São 11h e está um calor que nem me atrevo a ir para o sol; nem o quero tocar. Não me apetece fazer nada enquanto a água se evapora pelos poros e escorre pelas costas. O corpo não responde ao que a cabeça pensa. Estou habituada a férias em movimento e por isso a minha cabeça por vezes hesita. Mas o corpo só quer estar fresco e deitado. E que bem que sabe! Adormecer na varanda com um calor bestial à meia-noite e o céu a cobrir-se de relâmpagos. Sem barulho. Sem chuva. Tudo seco. Dizem que aqui só chove quando o Benfica ganha.
Os cabo-verdianos são pessoas muito bem dispostas e brincalhonas. Farto-me de rir com eles. E é por isso que a minha cabeça se prende entre o sossego do hotel, o azul fresco da piscina e as voltas pela cidade para observar o movimento e conhecer as gentes.
Sinto-me bem aqui, neste hotel tranquilo, sem demasiada gente e de índole familiar. A piscina tem sempre pouca gente e a música é suave. Quando chegámos no novo jipe da Toyota Prado foi um encanto para os empregados: "Vieram no Prado?" "Txiii!" - diziam contentes. E aquilo fazia sorrir pela simplicidade. Como crianças que se deslumbram com as pequenas coisas. Que bom!
Como dizia, a minha cabeça relembra férias sossegadas no Vimeiro onde os dias eram quase sempre passados na residencial, onde lia e escrevia, brincava, e por vezes dávamos passeios pelas redondezas. Todas as manhãs ia a pé à vila buscar o jornal. Conversava-se entre canaviais e macieiras, junto ao riacho que alimentava as plantações. Aqui em Cabo Verde, o tempo passa devagar, o calor escorrega-nos pelos poros, e tudo se faz com calma. Deixa-se para amanhã o que se pode fazer hoje, mas mesmo assim, o dia ainda permite fazer imenso. Os pardais refrescam-se à beira da piscina, os trabalhadores dormem às sombras dos prédios, e alguns exercitam-se, correndo à beira-mar. Ao fim do dia as crianças riem alto enquanto brincam nas ondas junto ao pontão. E os pescadores amanham o peixe enquanto que os vendedores, com as suas tendas no pontão, trabalham a pedra e a madeira, alternando o seu trabalho com o descanso à sombra do muro. Enquanto isso, vão espreitando o jogo da bola que ocorre entre as balizas montadas na areia. As cores das camisolas ressaltam na areia branca e jogam com o azul cristalino do mar.
Senegaleses e outros vendedores cabo-verdeanos mais escuros tentam angariar turistas para as suas lojas. Isto é o mais aborrecido: um simples passeio descontraído pode deixar de o ser pela extrema insistência dos vendedores para comprarmos as suas coisas porque dizem precisar de dinheiro para comer. Neste encontros aproveito para saber mais deles, e perceber porque estão ali, e como é o nível de vida que levam. Acabo por compreender que estão ali à procura do turismo que lhes dá dinheiro para enviarem para casa. Alguns sonham regressar às famílias. Dizem que a situação no país deles já está a melhorar. Cabo Verde é, mesmo assim, muito pobre e a felicidade deles é o futebol. Todos falam do Benfica, Porto e Sporting.
No Sal, os souvenirs não são baratos, os preços também não. Dizem-me que ali a vida é cara por causa dos turistas. Outras ilhas menos procuradas conseguem resistir ao aumento de preços, mas a oferta de possibilidades de trabalho também é inferior. Sal é turístico e os preços não mudam para turistas e locais. Só as lojas de chineses trazem preços baratos. Os Cabo-verdeanos sabem que é o turismo que beneficia a ilha. Ilha essa que é a mais plana do arquipélago. Seca e plana. Com estradas pobres e de terra, e muito poucas povoações. As casas são de cimento e betão inacabadas. Em muitos locais a água não é canalizada, há poucos carros e poucas estradas asfaltadas. Os animais vivem pobremente e em Terra Boa, o deserto deles que curiosamente é a zona mais fértil, mas apenas quando chove, vivem agricultores cujo sustento são os animais que maltratam. A terra é seca e escura, onde se conseguem ter miragens quando o calor aperta demais.
Cabo Verde é terra de sorrisos, mas de crianças que pedem timidamente uma moeda. Terra de Funaná e dança do roça-roça. Terra do descanso. Na praça de Santa Maria, o povoado a Sul da ilha, os locais sentam-se a conversar e passam nas suas t-shirts do Benfica e do Porto. As crianças brincam livremente, pulam, riem alto. No fim bebem refrigerantes pela palhinha felizes. Cabo Verde deixa saudades pela tranquilidade a que me habituo depressa. Bebo um ponche no restaurante Funaná e observo com calma quem passa e o que me rodeia. Vejo grupos de estrangeiros alemães, alguns portugueses que voltam sozinhos às ilhas e pagam cervejas às cabo-verdeanas enquanto lhes contam os planos para regressar, desta vez a Santiago, ou Boavista! Ilhas próximas e tão diferentes fisicamente. Diversidade boa que é notada, também, nas pessoas que ora são escuras, ora têm o cabelo queimado do sol, pele mais clara e olhos verdes. Os cabo-verdeanos, no Sal, são cuidados com o físico, passeando-se em tronco nú ou de t-shirts justas exibindo corpos esculturais.
Vai deixar saudades esta tranquilidade, o mar quente e transparente e as praias longas onde não se vê vivalma. Deixam saudades os sorrisos calorosos, a ingenuidade, a experiência de mergulho, os banhos no lago salgado das salinas de Pedra Lume, qual Mar Morto, nunca se vai ai fundo! Terra promissora, em ascenção, onde há muito a ser feito. Eles dizem esperar que os turistas queiram investir. Crescem aldeamentos, vendem-se apartamentos, constroem-se resorts. Já há muitos que por ali ficam. Italianos que apostam na construção e em restaurantes com a sua comida. É só querer, é só termos vontade e ideias. Podia habituar-me a isto.